O corpo como o rato e a alma como a rã
Os dois amigos discutiram o problema longamente e, depois da discussão, acertaram este plano: pegariam um barbante comprido, por meio do qual se comunicariam um com o outro.
O rato disse: “Uma ponta deve estar amarrada à tua perna, e a outra ponta à minha perna, para que, por esse artifício, possamos estar os dois unidos e entrelaçados como a alma e o corpo”.
O corpo é como um barbante amarrado ao pé da alma, esse barbante arrasta a alma para a terra.
A alma é a rã na água da ventura extática; escapando do rato do corpo, ela está feliz.
O rato do corpo arrasta-a de novo com esse barbante. Ah! Que dor ela sente ao ser arrastada de volta. Se não fosse arrastada para baixo por esse rato insolente, a rã ficaria em paz em sua água.
No último dia, quando haverás de acordar de teu sono, aprenderás o restante disso com o Sol da verdade!
Para ilustrar a tese de que o sentido que percebe o mundo espiritual e invisível é superior aos outros sentidos, e está fora do alcance da morte e da deterioração, o poeta [Rumi] conta uma anedota do Sultão Mahmud de Ghazni e uns ladrões.
Uma noite, quando caminhava sozinho pela cidade, o sultão topou com um bando de ladrões. Disse-lhes então que era um deles e propôs que cada um dissesse qual era o seu talento especial. De acordo com isso, um disse que era capaz de ouvir o que os cães diziam quando ladravam; outro, que sua visão era tão boa que, quando ele via um homem à noite, era capaz de reconhecê-lo sem erro no dia seguinte; outro disse que seu talento estava na força de seus braços, com o que abria buracos nas paredes das casas; outro disse que podia
adivinhar por seu sentido do olfato onde havia ouro escondido; outro disse que seu pulso era tão forte que ele era capaz de atirar uma corda mais longe do que qualquer pessoa. Por fim, chegou a vez do rei e este lhes disse que seu talento estava em sua barba, pois quando a sacudia podia salvar um criminoso do carrasco. Os ladrões, então, foram ao palácio do rei e, cada um deles cooperando com a aplicação de seu talento peculiar, conseguiram arrombá-lo e roubar uma grande quantidade de dinheiro. O rei, depois de assistir ao roubo, afastou-se deles secretamente e, tendo convocado seu vizir, deu ordens para prendê-los.
Assim que os ladrões foram trazidos à presença do rei, aquele cujo talento estava em reconhecer de dia aqueles que ele vira na escuridão da noite reconheceu-o imediatamente, e disse aos outros: “Esse é o homem que disse que seu talento estava em sua barba!” Assim, o único que se beneficiou com seu talento no momento da necessidade foi aquele que era capaz de reconhecer de dia o que anteriormente vira de noite, pois ele apelou ao rei para que este fizesse uso de seu talento de salvação, e o rei, escutando sua súplica,
libertou-o do carrasco.
Jalalludin Rumi, Masnavi p. 460.